'Hoje, quero que saibas que não te disse nada e quando te pedi para me morderes o coração era só para me certificar que ele existia no meu peito. Tu preferiste beijar-me, nunca me mordeste e, assim, fiquei sem o saber.' em Morder-te o Coração, de Patrícia Reis
segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
Pela janela morre quem vê
As árvores, os prédios e o céu desnudo passam a correr pela janela. Eu tenho o braço ao parapeito e sou abanado pelas curvas e contracurvas. Eu apanho conversas e retenho-as por mais tempo que o devido porque não trouxe o meu livro para ler. Eu conto lugares vazios e sinto que não há lugar para mim no mundo. Eu vejo pessoas a passar e sinto que passo, sem deixar rasto ou reparo nas memórias de ninguém.
Ainda me fazes falta. Não há um só dia em que não estejas. Ou que estejas. Mas vou ficar bem, ao parapeito da janela, ou talvez não assim tão bem, mas bem o suficiente para me comparar às árvores e aos prédios na sua quietude e imobilidade. Mas eles fogem (é irónico) pela janela, e ficam para trás, como que para dizer "não podes parar, segue caminho, aproveita as pernas que te deram para caçar o horizonte". É bonito. É correcto. É a única hipótese plausível. E ainda assim, não há um só dia. Eu só queria para mim a paz desta cidade.
E agora falam alto, à minha volta, riem. Eu também devia. Sou feliz. A vida corre bem e o céu ainda é o limite, embora eu continue a dormir na palha quente que anuncia mais um Natal igual aos outros. Só que não há um só dia, e eu tenho medo que não haja um só ano, uma só vida. Será assim tão difícil substituir algo que nunca tive? Como pode a ausência ser a coisa mais presente do dia? Porque é que não adianta questionar, se é aquilo que melhor um homem faz?
Se eu pudesse, veria alto como o céu desnudo, por uns momentos. Veria tudo, e seguiria com os olhos o meu caminho em frente, para descobrir onde virar, o que evitar, a quem estender a mão e de que mão não comer. Porque larguei o coração ao acaso, há muitas estações atrás, e agora sinto que mo tiraram, quando a culpa é só minha. E o amor pereceu atrás da cortina, enquanto o público aplaudia e gritava "bis". Mas o artista que faz a vontade do público viola a sua própria arte, e eu não vou matar outra vez. E para não ter de matar, também não deixo viver. E à minha volta, a vida passa, zumbe, ri, evapora, e as rugas nascem, as peles caem, os corações enfraquecem e saem pela boca quando menos se espera. Perco tudo subtilmente para não ter de perder à bruta. Ainda assim, não há um só dia.
(Pedir desculpas a mim próprio por só ter conseguido isto hoje, por ter guardado tantos urros interiores e por estar destruído por dentro à conta disso. Agora sim, vai ficar tudo bem. Ainda pensas porque existi? Para te dar o rumo certo, para perceberes que não existo, para fortalecer aquilo que queria ter e não posso, para te dar o que quis receber. A boa acção de uma vida, porra. Palavras de sonho nas quais não voltarei a tocar. Agora que todos os "Olá" são "Adeus", cumprimento o mundo da mesma forma a cada dia que passa, e procuro a nova dor, que diz que vale a pena ter, nas caras novas e na loucura da rotina, que diz que esconde bocadinhos de destino e fotografias de futuro.
I quote the raven.)
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2 comentários:
Profundamente e completamente lindo.
Sim! Realmente muito bom e muito profundo! De arrepiar...
Tenho vindo a sentir que também preciso de voltar. Como é dificil estar longe da magias que só as palavras sabem ter...
Enfim :) beijinho saudoso my dear friend :)
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