quarta-feira, 8 de setembro de 2010

As línguas dão cartas


Deixar de ser amargo não é, necessariamente, ficar mais doce. Sim mais lúcido, com nulas vontades de continuar a recriar o que já está morto e nojento no chão. Que tu finges que não vês. Com paninhos quentes, tapa-se tudo; menos o que tu és.

Com a língua afiada perde-se muito, mas perde-se de uma vez. Não se anda a brincar ao eu-quero-eu-sou-eu-não-quero-o-que-sou. A língua embrulhada essa é para a vida, é a moldura bonita, mas de madeira corroída, de ampulheta sem ampulheta, só de areia derretida a escapar-se pelo que nem mãos são. A língua que só fala quando sabe que não pode ter resposta, essa é digna de compaixão. Na vez da amargura, digo. Ser livre, digo. E eu nem sei do que falo!

Sei que a liberdade não é doce, tem um sabor divino. E agradeço todas as lições.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Quando te ligo quero dizer isto


Toda eu não sei como te dizer isto. Que sinto que já fui, que fiquei parada lá atrás, que deixei o autocarro levar-me os sorrisos e amigos bons, todos. Pior, que também o não apanhei porque não havia mais lugares em pé e, claro está, farta de estar sentada estou eu, o dia todo. Que fiquei, tenho a perfeita noção, com cara de parva e manienta de ser menos que o mundo a acenar para umas caras coladas no vidro dos lugares de trás que não lá estavam. Nem uma mensagem desenhada, nem um bilhete de volta. Eu, palhaça triste ridícula, com pena de mim e uma noção qualquer de sonho diferente disto.

Pelo menos tu rias-te das minhas piadas. Por ora, o humor transforma-se, a cada hora que passa, cada vez mais um prato japonês que não provo por medo dos meus males de bílis. Fico com pose e vida de velha na paragem dos transportes públicos à espera dos meus sorrisos e amigos bons, todos. Depois de meia em meia hora ainda se ouve 'Lamentamos todos os inconvenientes causados'. Pelo menos, sejam sinceros, façam-me rir.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Os cantos da casa


Eu bem sei que há sempre uma parte de nós que acaba escondida, negligenciada, esquecida, morta, fria e fraca. Acontece-me muito disto, aliás, de parar e pensar a coisa mais óbvia do mundo que para mim é o mais difícil de pensar e parar. E acontece que, de há uns dias para cá, os espelhos partem-se-me antes que eu possa chegar a alguma conclusão. Digo,
Que unha ou cabelo meu ainda é o mesmo? Da próxima vez que eu jogar às escondidas, quem é que fica a contar? Que tom de voz deixo na caixa do telefone, para que possa ligar e me sentir em casa? Toda eu, estou escondida. Toda eu, sou a que tremo, sem saber bem a que impulso respondo e a que verdade temo.