terça-feira, 8 de julho de 2008

Reencontro


O meu irmão esquece-se muitas vezes de respirar, sem mal nenhum no espírito reencarnado. Por outras palavras, é uma janela de Agosto com má vontade de ser fechada. Vejo-o muitas vezes nas joaninhas e nos carrinhos fechados a sete meses na arca sábia das minhas dores. Ensina-me todos os dias que tenho emoções de humana e pés de gigante, o corpo pequenino, a quietude de menina velha e todo um mundo brilhante de cores opacas e enevoadas. Ele sabe que laços são feitos com seda e sede de afectos e que a paciência é efémera como a morte, como a terra, como as cinzas e tudo o que o fogo abalroa. Barco desprendido da âncora que sou eu- viagem bonita de que não fui companhia nem tenho postais. Velas simbólicas e traços que me envolvem como linhas como amarras que ele impõe na alegria de viver.

Às vezes quase me esqueço de respirar por saber que o meu amor visionário está na falta que ele me faz. Ontem conheci uma menina que era eu e mais alguns sonhos que se perderam no caminho. Qualquer dia volto às ruas de ontem para os roubar. E roubo juntamente uma botija de ar, para que a asma nunca me apanhe sem ele por perto. Somos irmãos de carne, mas mais de espírito e lábios.

sábado, 5 de julho de 2008

Auto - Mutila(Regenera)ção


Sei de cor todas as facas do Passado, que um dia muito longínquo me abriram a pele e se recusaram a estancar o sangue, que corria com lágrimas e suor, para se fundir á terra dos meus jardins e os murchar. Sei que algumas dessas facas fui eu que espetei, achando que eram ervas curativas que iriam fechar feridas interiores. Só as tornei superficiais. Agora, as cicatrizes recusam-se a doer, e eu tenho medo, muito medo, de estar a espetar outra faca pensando mais uma vez que são curativos, remédio santo e de longa duração.

Pedi muitas vezes desculpa. Talvez nunca as suficientes. E nunca estava arrependido. Ou estava, mas hoje não estou. Ou não estava, e hoje estou. Amo a vida na sua falsidade e odeio-a quando me diz as verdades. Procuro a verdade que quero ouvir, e a vida que não me mente, ou quando mente diz coisas horríveis que no final não são nada, só uma brincadeira estúpida de qualquer entidade superior que tirou o dia para gozar com a minha cara de anjo espancado.

E agora, que chego a casa e tenho um quadro enorme com uma cicatriz minha lá desenhada, estaco. E pergunto-me se a quero curar, pergunto-me se quero observar o quadro e rever-me a pintá-lo, artista louco que se banhou em sangue e se limpou a uma tela, cuspindo mágoas, palavrões, músicas e desilusões pelos cantos da boca. Amo tanto esta pintura que já não me lembro de a ter feito. E é isto a minha verdade. Mortes angustiantes que idolatro, e que se resumem a nada mais que um desejo lascivo de viver. Músicas que escrevi apenas porque ninguém as cantava, e são as minhas favoritas. Páginas que li e quero esquecer, só para as escrever de novo.

Amo a cicatriz e detesto a ferida. Quero pintar por cima, e substituí-la por uma nova. Porque acredito que nem tudo terá que doer, e mais cedo ou mais tarde não me vou poder enganar quanto ao meu caminho, porque já percorri todos os outros. E é isto. Recomeçar. Dar outra oportunidade. Perdoar. (Olha que vais fazer merda…) Seguir em frente. Estrada. Ressurreição. Gaveta, abro-a. Lá dentro, uma faca e um remédio. Já não os sei distinguir. Medo. Muito medo. Mas mais que medo, determinação. Mais uma, menos uma…
Pim-po-ne-ta…

quinta-feira, 3 de julho de 2008

D'amour


- A mais bela história de amor não se conta, menina.

- Porquê?

- Porque tem pele e veias sardentas da vontade de ser mais e melhor e amar e ser amada e mais qualquer coisa que me esqueci, entretanto.

- Porquê?

- Porque guarda desgostos na coluna vertebral e lágrimas no joelho direito e vai aprendendo o que é a vida, quando ela não é a sonhada. Guarda no fundo das pupilas a certeza do que viveu ter sido vero e de ter estado viva, uma vez na vida. Escreve cartas de três páginas só com uma palavra multiplicada para as rasgar de seguida, ao vento e à sorte. Quando os anjos aparecem, conta as horas para os abandonar - porque mais tarde ou mais cedo é assim, e quando se diz isto, parece-me a mim que se diz tudo.

- A mais bela história de amor vou eu escrevê-la, enquanto tiver memória e um bloco de notas afixado na porta dele. Todas as noites vou escrever que o odeio, que não me toca na alma nem nos cabelos, que tudo o que aconteceu foi um pesadelo que soube bem, jurar-lhe que hoje é que vai ser e eu vou sorrir sem o ter no céu da boca ou acordar de manhã e conseguir espreguiçar-me de ti. Vou-te insultar por vezes, para que vejas que não é das mãos para fora que o grito mas sim das mãos para dentro, tanta é a força de vontade de me convencer. Vou ser forte a cada noite que a tua campainha não toque, desculpar-te pela avaria da mesma e condenar-te à falta de luz e janelas, sussurrar o teu nome e rasgar todas as folhas onde ele me apareça. Prometer-lhe que não dói e que será melhor assim, acabarmos tudo por aqui e estilhaçarmo-nos um dentro do outro.

- E depois?

- Depois deito-me no tapete da entrada ou nas escadas, o que for mais frio e feio. Vou sonhar que ele me abre a porta e me deita ao seu lado, me fecha os olhos e que eu morro feliz.