quarta-feira, 18 de junho de 2008

Islander


Conheço um homem perfeito que não é perfeito, mas vive de uma perfeição imaginária e, por isso, real. Mora num mundo perfeito que mais ninguém conhece, nem poderia, por mais que tentasse. Encheu um copo com água, salgou-a e diz que tem um oceano em casa, só dele, para o qual olha e pelo qual navega e divaga. Também tem um vaso com uma planta que nunca vi e algumas ervas daninhas - diz que é o Jardim do Éden. Só tem que o regar de vez em quando, para que não se torne o Gethsemane. A mulher da sua vida, essa, está sempre perto dele, é esposa fiel e dedicada - mora na parede ao lado da cama, desenhada a carvão, com traços perfeitos e sem lágrimas.


Este homem perfeito tem ainda um amigo perfeito. Sim, só um. Não precisa de mais, porque pode confiar-lhe todos os seus segredos, sem medo de represálias e com a certeza de que jamais serão ouvidos por terceiros. Não me lembro do nome desse amigo, mas acho que é qualquer coisa como Papel... Ele não fala muito, mas ouve tudo o que lhe queiram dizer, e tem muitas palavras bonitas tatuadas por toda a pele. Até dá medo de lhe tocar.


O homem de quem falo também não tem rádio, aparelhagem ou piano, porque não precisa e não quer precisar. As músicas que ouve e conhece são suas, e correm pela sua cabeça num loop constante e acolhedor. Algumas dessas músicas até trauteia. As mais fáceis, claro.


Outro dia ele fez anos. Ou séculos, não sei bem. Como é óbvio também não lhe conheço a idade. Nesse dia, ofereci-lhe um espelho. Ele olhou para o seu reflexo e ficou estupefacto, admirado ao ver que o mundo precisava dele. Decidiu então partir, agradecendo-me. Não quis fazer as malas. Abraçámo-nos e eu acenei até ele desaparecer no horizonte, os meus olhos turvos e o meu coração cheio. Agora cá estou - a navegar pelo copo de água, a regar o Éden e a tomar-lhe conta da esposa. O amigo dele, esse é a melhor companhia do mundo. Ainda assim, sei que lá no fundo só estou à espera do meu dia de anos, para que alguém me ofereça um espelho.

2 comentários:

Shadow disse...

E agora não sei o que te dizer... É demasiado simples dizer que o que escrevest, neste amigo digital que conta tudo a todos, é belo e sentido e que me deixou com um meio sorriso meio lágrima ao canto do olho.
Que venha o espelho e que o jardim seja enorme, o mar infinito, que o amigo fale mais e que a esposa tenha alguns defeitos e por vezes lágrimas de felicidade.
E pronto... fico-me por estas meras palavras que sei que vais entender.

Adoro-te mano!****

Pseudónima disse...

Adorei, adorei... complexo e mitológico e tão simples, tão humano ao mesmo tempo. Este toca qualquer um.

E o céu é o teu limite. ;)