terça-feira, 20 de maio de 2008

Tocar-te os olhos


Lembro-me que tinha tudo tão bem planeado : casava-me com ele, ficava rica e depois matava-me. Parecia a vida perfeita, ou melhor, planos por planeados, dizia eu que era o melhor que se podia arranjar. Vida perfeita, dizia eu.

Casava-me com ele porque nunca me quis casar. Mas sem saber se amei antes ou depois dele, após o seu quarto pedido de casamento atrapalhado no meio de muito álcool e juventude, lembro-me que desde que eu fui eu aqui, pela primeira vez, eu hesitei. Bebi tudo de um gole e respondi "Só se for já". E ele contratou o barman como padre e as estrelas como testemunhas. Diz que pagou-lhes a palavra, juramento safírico e para toda a vida. Depois, nos outros pedidos todos, aprendi a rir-me como se deve rir quando um bêbado se nos declara a meio do caminho. Para dentro.

Ficava rica porque nós tínhamos sonhos, ou como amava acariciar, éramos sonhos com muitos aplausos para saborear. Não se tira a razão aos loucos, entendam-me, eu até era o que ele quisesse e ele era o meu sonho, desde que a realidade não me doesse. Nós éramos sonhos, éramos o novo Colombo e o Gama (Mas as terras já cá estão! - E as Luas? E os lobos?). Ele ria-se e dizia-me que chorava. Nunca, nunca o vi chorar, sem ser daquela vez em que o mundo era a preto e branco e nós ficámos inevitavelmente pedra. E também da outra em que lhe apeteceu, porque era feriado e então podemos fazer tudo menos comer carne.

Depois, se bem me lembro, morria no auge da felicidade para morrer feliz. Queria que ele continuasse mais rico e feliz, comigo perfeita no tecido do meu vestido branco e para sempre, com a mancha vermelha dos lábios dele no meu batom.

Hoje, porque é muito tarde ou talvez porque mais cedo ou mais tarde sabem-se estas coisas, sei que me casei com ele, até que a morte nos separe. E tive a maior riqueza do mundo em poder tocar os olhos dele.
Mas hoje é hoje e a verdade sobe. Adeus ao brilho e ao arrepio espinal. Porque já nem chorar te sei, porque o que não sei é sentir.

2 comentários:

Anónimo disse...

Fooooda-siiiii xD
Sem palavras...
Dá pa chorar, sentir, ver, ler e chorar por mais.
Mais que os olhos, tocas a alma =)
***

Susana disse...

Sentir é mais dificil do que parece. Os sentimentos misturam-se numa montanha russa tão ingreme que só nos apetece dizer ao mundo para parar "Só um bocadinho, por favor, enquanto estico as pernas e me espreguiço na mesa do café." Mas parece que o pedido não é uma ordem hoje nem ontem e provavelmente não o será amanhã. Tocar nos olhos, espelhos e portais da alma.

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