Achei estranho que não me perguntasse pelos jeans russos e apertados nos bolsos ou pelo tom abaixo ou acima do vermelho da minha blusa. É que, vejamos bem, eu não tenho cabelos lisos nem encaracolados, não tenho olhos castanhos nem verdes, não tenho muita nem pouca idade. Não tenho sede nem fome nos braços. E paciência e bilhete de identidade, não tenho.
Ele não me perguntou como eu era como se as coisas fossem somente o que tivessem de ser e nós fôssemos pó, pó que não quer deixar de pousar, por muito enquanto. Já gosto dele, por isto e não posso gostar, por coisa alguma. Incoerências do faz-de-conta da menina que cresceu.
- Olá ... tens lume?
- (procura nos bolsos e mala) Não, não encontro. Devo ter perdido. Desculpa.
- Emprestas-me o cigarro?
- (A beata do cigarro vai com o vento. Riso nervoso). Desculpa .... .... e agora?
- (Suspira ou inspira, liberdade do actor. Senta-se). Agora conhecemo-nos, conversamos e eu confesso-te no final da tarde que não fumo, que Pedi este cigarro porque te queria ver brilhar mais de perto. Que a tua insegurança é o mais bonito que tens no teu corpo e seres a menina do canto da sala, também. Que se conseguires abrir portas sem te pintares e gritares ilusionista a quem passe se quer casar com a carochinha, não há problemas de maior senão.
- Desculpa... olá, João. Filipa, muito prazer.
Não tenho rosas na mão nem anéis nos dedos. Não tenho pulseiras no tornozelo, tatuagens no pescoço, perfume fresco e frutado. Sou só (e) eu. (...) E ele acaba de chegar. Parece-me que conheço esta voz desde sempre. Não sei como ele é, mas é ele. Prilim-pim-pim. E acaba de me tocar no ombro esquerdo.
(Imagem do filme Le Fabuleux Destin d'Amélie)
2 comentários:
Lindo e genial e coise.
O momento do cigarro é perfeito para um filme, e faz correr na cabeça todas umas cenas que se poderiam seguir.
Recuso-me é a comentar a origem das "unhas de papel" XD huahuahua
Enfim, que mais a dizer? Há poucos a escrever como tu. E a ser, ainda menos.
***
Cada vez mais me convenço que a vida é feita de ímpetos e pessoas que conhecemos desde sempre, apesar de ser a primeira vez que cruzam a nossa rua.
Soulmates never die. Nem os amigos de todas as vias. Nem os inimigos de todas as vidas.
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