Ah, eu devia ter gritado.
Se fechamos o cadeado e engolimos a chave, não podemos esperar que nos encontrem. Não podemos esperar muito tempo até morrermos de fome de beijos, suor e lençol desfeito, disto e daquilo. Não podemos, é inevitável, como daquela vez em que te vi dois dias seguidos em lugares diferentes e não te agarrei e agora tudo isso me parece o desperdício da minha epifania amorosa, as minhas conversas com o Sr. Deus no tal canal sem audiências, este todo empertigado comigo que ele não é senhor, Sr. Arquitecto, atenção, e não tem culpa nenhuma que nós sejamos perfeitos engenheiros do mundo - que fazemos borrada atrás de borrada, que só nos apercebemos tarde demais. Que adiamos o prazo e entregamos tanta vez a coisa ao Deus dará. Por um qualquer motivo, o Sr. Deus parece-me esgaziado de hélio e serpentinas. E diz-me 'eu bem te avisei, eu bem te avisei...' . Não gosto de arquitectos; só quero amor e uma cabana. Ai, no meu tempo...
Olha, se queres que te diga tudo isto deve ter algum sentido. Jura. Não sejas sarcástico se ainda não me calei. Impossível andarmos para aqui às voltas e rotundas e não estacionarmos pelo menos para um acidentezinho que alegre o telejornal das oito. Eu queria ver o que era das velhotas sem os carros empilhados na estrada e elas empilhadas debaixo do edredon e no cachecol de tricot de cinco metros que decidiram oferecer ao neto gigante. Eu queria ver, o que era delas sem isso e sem a Alexandra Lencastre. Retomando, se isto tem algum sentido- e tu dizes que sim e eu anuo, porque sou boa nisso - é dar graças ao ar por não terem sido as mãos as lesadas e levadas de urgência para o quarto com dois números, com uma dezena e o segundo martelado e caído para baixo, ficando as pessoas sempre em tamanha dúvida se é aqui que estou e nunca aparecerem à hora de visita. Acho que o senhor do 19 dá biscoitinhos e não lhes pergunta pela vida. É, deve ser delicioso.
Agora empulgo sempre na mesma carruagem; penso que não queiras saber, mas eu digo que não é a mesma. Há acidentes esporádicos que nos mudam a vida. É o coração quem dorme e por quem se reza que volte do jardim comatório. De resto, não te quero ver. Mas pensa em mim, quando puderes, sim?
Ah, eu deveria ter gritado com todos os pulmões que me restam. Pelo menos, não vinha o coração sozinho.
(Imagem do filme Prozac Nation)
3 comentários:
Li-o duas vezes ontem, e reli-o agora. E faz todo o sentido. E se é para haver acidentes, que sejam surpresas positivas e encontros cruciais com o futuro. Sinceramente sinto-me abafado pelos teus textos xD
E sim - a nós, o brinde.
T'adore mon ange*
Acidentes há muitos e nós somos poucos.
"Algo tão insignificante como o bater das asas de uma borboleta pode provocar um furacão do outro lado do Mundo"
Algures nos mil e cinco acidentes e meio que nos acontecem por dia, há sempre um que sobressai e nos torna capazes de sentir.
Se me permitem junto o meu copo erguido aos vossos e brindo a vocês, escritores da alma, artistas de coração, amigos para sempre.
Beijo apertado ^^*
Ás vezes acordamos e cuspimos o coração, tal como Anaïs Nin tão bem nos ensinou.
Mas se a expressão for no cruzamento de um olhar, o coração pode fracturar-se (a porcelana é assim) mas não se quebra.
Pode ser que num banco de jardim, numa tarde solarenga esteja alguém com um girassol na mão apenas e só na esperança de encontrar alguém que o complete.
Muitos parabéns por este espaço, linda. Está fantástico!!!
Beijinhos enormes***
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