domingo, 11 de maio de 2008

O Escafandro e a Papa desejada


Esta é pela avó que amas. Esta pelo teu pai, que bate e bate e não causa dor. Esta, pela mamã do colo e da tabuada. Esta é por mim.

O coração tem muitas funções. Pulsa como um pulso, ouve como um ouvido, cheira e soluça e dá um belo animal de estimação. Precisa de colo e lava-se a 360º de preferência, para que a coisa não mude muito. Cala-se quando se sente calado, fala e fala muito, quando não se consegue calar. Ás vezes admira pedras como quem admira as cópias das telas do Gauguin ou do Soutine e sente sangue, carcaças de sangue à sua volta que precisam desesperadamente dele e que o fazem sentir que é amor que deveras sente. Adora ver comédias românticas e filmes de terror, daqueles cardíacos com boa companhia. Ri-se quando está nervoso e até chora, se lhe pedires com muita força. Quando à dor, sente-a perto da morte e quando o partem, com o intuito de dar para muitas colheradas, à boca de quem mais ama e que não o ama, nem hoje, nem ontem, nem quem sabe nunca amanhã.

Pensei que te fizesse falta um destes, que eu sei que tens fome. Por mais que não digas, tu queres tão mais que não sabes fazer-te bem, esqueceste do que é seres novo e ainda te gozas, com a dificuldade de mastigar a verdade. Esta é por mim, vá lá que é a última. Fica o resto no frigorífico, para quando te apetecer.
(Imagem do filme O Escafandro e a Borboleta)

2 comentários:

Anónimo disse...

Dá que pensar, mesmo depois de ter ouvido a ideia-base. Infelizmente há muita gente que às vezes precisava que lhe dessem um coração, nem que fosse á boca. Pode-se deixá-las alimentarem-se a si próprias, ou oferecer o nosso, às garfadas. Alimentar quem não tem coração pode ser o maior desperdício à face da terra, ou talvez a melhor acção de todas.
É uma questão de escolha, e , talvez, sorte.

Adoro. O texto e a autora.
=) *****

Susana disse...

"É a morte em vida". Lembrei-me da conversa.

Que o teu coração nunca tenha de ser guardado no frigorífico para mais tarde. Dá-o constantemente e aos poucos. Oferta-o inteiramente apenas a quem sabes que, mesmo que se o partir, o tratará com o sabor que valerá por todas as colheradas.

Beijinho grande no ombro. Obrigada.*