quarta-feira, 14 de maio de 2008

Receita


Mexa a vida numa taça pequena , depois de lhe adicionar um pouco de tensão e açúcar, para acentuar o sabor. É difícil ser inteligente tendo tanta coisa no pensamento, por isso ponha uma chávena à parte para devaneios , e guarde-os para mais tarde.

Entretanto , anote num bloco o que pensa do dia presente e retire uma pauta do bolso para escrever a sua sinfonia, só para o caso de ensurdecer um dia. Junte tudo e deixe arrefecer á temperatura do Tempo. Enquanto isso, saia à rua. Procure um desejo carnal e um beijo perdido, leve para casa e plante o amor à luz da lua. Aguarde duas ou três etrernidades, até florescer.


Entretanto, ponha a mesa para uma pessoa - copo de cristal azul, pratos de porcelana gravados de poemas antigos e talheres de prata brilhante, tudo numa toalha de seda branca. Debaixo dela, ponha o crucifixo. Enquanto espera que fique pronto, escreva um romance, um poema, uma crónica, uma peça de teatro ou uma carta para alguém que já não veja há muito. Depois volte à mistura que deixou e adicione as lágrimas. Junte passos para o abismo a seu gosto. Deixe cozer o tempo que for preciso.


Quando pronto, meta numa travessa comprida, entre 80 a 100 anos, e espalhe bem.
Sirva frio, como se fosse vingança.

Bom apetite.

2 comentários:

Pseudónima disse...

Páras de ser tão genial?

Obrigada. xD

Susana disse...

Resumiste bem a receita que Deus escreveu quando sujou as suas mãos no barro que criou o Homem. Penso que ele estava inspirado e arreliado em simultâneo nesse dia.
Esperemos não chegar atrasados ao nosso próprio funeral.

É impressionante como eu não tenho sentido nenhum.

Este foi dos textos mais geniais que escreveste. Vivam as receitas com sabor a vida emotiva; que os momentos mortos servem apenas para queimar a cobertura.

*