Esquece tudo o que te disse até hoje, porque tu sabes e eu sei que nunca me irás conhecer, vice- versa a mesma coisa. Nem desta forma ou doutra, porque sabemos bem que as formas de Arte são sinónimos de vida e nós nunca concordamos, não temos sensibilidade nem audição para tanto. Também sabemos que não sabemos nada e igualmente não o queremos saber o que me leva a apetecer mudar tudo, começar do abaixo de zero, ou seja com os erros do passado e os joelhos enregelados, para ver até onde revoluciono sem deixar de ser eu. Existem dias que parecem noites e palavras que parecem saltimbancos que me pisam, que me pisam e me dizem, o teu lugar é mesmo aí, não te importes que eu também não.
Não me oiças sequer hoje, pois hoje a carta é para Deus. Não deve ser levada a sério, a não ser por ele, se ele não resolver fazer greve por haver falta de crentes, ele há-de ler e depois responder num seco Recebido, assinado Sr. Deus ou um qualquer empregado do seu ministério. É preciso que te diga para não me ouvires, que a ideia é o Non-Sense e hoje, hoje só, não marco falta de presença.
- Tu querias, tu querias... tu querias era favas e fígado cortado às rodelas.
Eu queria que tu te esquecesses dos teus monólogos e catitas dores de bolso para respirares. Ninguém se lembra: Respirar. Roubam-nos o tempo como o fazem com o sol, sempre o fizeram, de cada vez que vem o Verão o fazem. Roubam-nos a hora de todos os dias e devolvem-na gelada. Como se podem amar estações vizinhas se sabem, de antemão, que lhes vão roubar o tempo? Condenadas a serem sombras de velha solitária, que não têm dedos, que não têm línguas, que não têm sexo nem direito a bodas de prata. As flores perderam-se e os muros voltam à ideia primária de serem muralhas. Troca o passo, tudo acaba aqui.
- Veja lá se quer mesmo a cura, porque uma vez a neurastenia entrou e não chegou a sair. Veja lá, veja lá, que ainda há quartos vagos e a renda é do mais baixo que há. Uma vez por semana até a deixamos pôr a cabeça fora da janela e reze pelos pombos não se decidirem para baixo. Televizãozinha, arrastadeirinha e comida sem sal, mastigada, mas comida; Bem-vinda? Ai vida, que querida, mais uma cliente do sanatório mais limpo de Portugal. E não se esqueça: Respirar. Era assim que eles te diriam.
Cheiro o mofo dos livros como se fossem virgens islâmicas, tacteio os móveis sem querer descobrir as gavetas inábeis e é nas casas vazias que perco mais tempo. De vez em quando, apetece-me morrer e outras tantas, matar o último romântico ao cimo da terra. Mais palavras de amor e cheiro a papoilas, Não por favor, é demais, Mate-se que já deve minutos à humanidade, se o outro não quer, queria, É esse o lema de qualquer romântico, o pretérito imperfeito como a tempo do dia. Não há paciência (quisesse).
- Respirar.