segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

E uma Canção de Natal


As sombras são mais fixas que as suas donas. Eu tenho tristeza, mas não tenho mais nada. Coisas de final de ano, sempre escuras e sempre fantasmas que não se despegam dos cantos mais infelizes da nossa casa ou olhos. Sempre sentimentos que não resistem por eles, sempre mensagens em garrafas aportadas em portos sem marinheiros. Sempre eu mais eu e mais tu, mas mais nada. Valha-me a tristeza e as sombras, menos efémeras que os seus donos. E sempre. Sempre a tristeza da morte a dar lugar à alegria de recriar ou de encontrar a minha pele, outra vez. Ser eu não é coisa que muita gente sinta, nem eu sinto nada por eles. Sinto muito, mas ser eu. E eu gostar.


O final da viagem é incerto, mas sempre eu mais eu. E mais tu. Seremos felizes, não tenho a menor dúvida, meu amigo. Seres tu, e eu amar.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Pela janela morre quem vê


As árvores, os prédios e o céu desnudo passam a correr pela janela. Eu tenho o braço ao parapeito e sou abanado pelas curvas e contracurvas. Eu apanho conversas e retenho-as por mais tempo que o devido porque não trouxe o meu livro para ler. Eu conto lugares vazios e sinto que não há lugar para mim no mundo. Eu vejo pessoas a passar e sinto que passo, sem deixar rasto ou reparo nas memórias de ninguém.

Ainda me fazes falta. Não há um só dia em que não estejas. Ou que estejas. Mas vou ficar bem, ao parapeito da janela, ou talvez não assim tão bem, mas bem o suficiente para me comparar às árvores e aos prédios na sua quietude e imobilidade. Mas eles fogem (é irónico) pela janela, e ficam para trás, como que para dizer "não podes parar, segue caminho, aproveita as pernas que te deram para caçar o horizonte". É bonito. É correcto. É a única hipótese plausível. E ainda assim, não há um só dia. Eu só queria para mim a paz desta cidade.

E agora falam alto, à minha volta, riem. Eu também devia. Sou feliz. A vida corre bem e o céu ainda é o limite, embora eu continue a dormir na palha quente que anuncia mais um Natal igual aos outros. Só que não há um só dia, e eu tenho medo que não haja um só ano, uma só vida. Será assim tão difícil substituir algo que nunca tive? Como pode a ausência ser a coisa mais presente do dia? Porque é que não adianta questionar, se é aquilo que melhor um homem faz?

Se eu pudesse, veria alto como o céu desnudo, por uns momentos. Veria tudo, e seguiria com os olhos o meu caminho em frente, para descobrir onde virar, o que evitar, a quem estender a mão e de que mão não comer. Porque larguei o coração ao acaso, há muitas estações atrás, e agora sinto que mo tiraram, quando a culpa é só minha. E o amor pereceu atrás da cortina, enquanto o público aplaudia e gritava "bis". Mas o artista que faz a vontade do público viola a sua própria arte, e eu não vou matar outra vez. E para não ter de matar, também não deixo viver. E à minha volta, a vida passa, zumbe, ri, evapora, e as rugas nascem, as peles caem, os corações enfraquecem e saem pela boca quando menos se espera. Perco tudo subtilmente para não ter de perder à bruta. Ainda assim, não há um só dia.



(Pedir desculpas a mim próprio por só ter conseguido isto hoje, por ter guardado tantos urros interiores e por estar destruído por dentro à conta disso. Agora sim, vai ficar tudo bem. Ainda pensas porque existi? Para te dar o rumo certo, para perceberes que não existo, para fortalecer aquilo que queria ter e não posso, para te dar o que quis receber. A boa acção de uma vida, porra. Palavras de sonho nas quais não voltarei a tocar. Agora que todos os "Olá" são "Adeus", cumprimento o mundo da mesma forma a cada dia que passa, e procuro a nova dor, que diz que vale a pena ter, nas caras novas e na loucura da rotina, que diz que esconde bocadinhos de destino e fotografias de futuro.
I quote the raven.)

sábado, 11 de outubro de 2008

Crime & crime


Ai, as minhas mãos suam e não me dizem porquê (perdi-me nas letras). As minhas mãos estão feitas contra mim, aliadas ao meu tique nervoso de não fitar pessoas nos olhos e manter a voz miúda e insegura, quando sei que não sei mentir e minto ainda pior do que sei. Eu quero dizer ao Sr pica que tenho um chilique que me impede de comprar bilhetes e que a minha fobia aos Srs polícias deve-se à minha mania de tomar decisões precipitadas como entrar em fuga e esconder-me nos esgotos, até que se cansem, até que hajam mortes e coisas mais importantes para prender do que alguém ansioso por ver quem ama seja como for. Crime é outra coisa. A minha única liberdade é saber que ele existe e a minha única rendição é saber que me perdi nas palavras, mas que ainda existe alguém vivo neste mundo. À minha espera. Que se foda a literatura.


Ai Sr pica, recorde-se lá de como é que é e deixe-me seguir viagem. Se eu o perder nunca mais sou eu mesma e aí, acredite, faço crimes maiores do que andar por aqui sem bilhete (e faço cara de má e ele parte-se a rir).

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Long-awaited Tear


Sancta Terra. I am safe in here, com todos os meus sonhos cosidos num só corpo, que agora respira finalmente, move so braços para me abraçar e embalar num sono desperto, oh-tão-desperto, simples mas belo, fértil mas puro. O deserto que me servia de cenário para músicas e poemas desiludidos, por onde vagueei por anos e séculos, vê agora uma rosa desabrochar no seu centro, por entre areias escuras e anciãs que pensei nunca darem fruto á paisagem frutífera e virgem de mundos. É com prazer que aceito a boleia de alguém estranho, da utopia encapuçada, que promete deixar-me em casa depois do primeiro beijo, certificar-se de que não vou sozinho pelas ruas do meu mundo e mostrar que existe quando eu acordar dos meus pesadelos reais.

Estranho como de repente parece que a minha realidade mudou, como apesar de acordar na mesma cama de sempre sinto que abro os olhos para um novo mundo, qual criança que pode agora deixar o abraço amiótico de uma mãe preocupada, e não nasce precocemente. It is time.

Bom dormir apenas quatro horas pelo facto de a cabeça funcionar a mil ao segundo, e pousar os pés quentes num chão que não geme nem pica nem arrepia. Sentir um perfume matinal que já não é meu e foi deixado no ar por alguém que deitou a cabeça na minha almofada e quis inalar as lágrimas que lá chorei (os gritos que com ela abafei, o choro que ninguém ouvia, só ela) e expirou pétalas e penas de anjo, com as quais me tapo de noite, sorrindo, olhando para o céu e sabendo o que vai para além dele, aquilo que ele esconde qual manto corrido antes de uma peça final, fatal, urgente.

Primeira vez que não acaba antes de começar. Começa antes de acabar(es). Leva-me contigo, leve mas nunca breve, que isto não pode durar pouco, e o meu tempo ainda está para vir. Sei que o teu também. Vou mostrar-te o meu novo mundo. Vamos para o Éden, e não tocaremos nunca, jamais , nas maçãs.

"Onde estiveste este tempo todo?"
Lágrima.

domingo, 7 de setembro de 2008

Ab alto


Existem pessoas que só precisam que acreditem um pouco nelas, por elas, quando lhes doem as costas e o pesar da morte. Que as façam rir quando o assunto é sério, porque é sempre sério, mesmo quando se brinca. A sério, precisam que lhes digam que não foi o passado que se estendeu, mas elas que se estenderam ao comprido contra a possibilidade de fazerem diferente, melhor, feliz.


Existem pessoas que tentam o melhor do mundo e vão-se abaixo assim, nem dores nas canelas ou nos rins, só porque foi mais fácil calar do que ouvir e falar e mostrar-lhes que não é esse o caminho. E depois temos tendência a julgar e a pensar em nós como os supra-certinhos de bolso.


Existem pessoas como eu e tu que somos um só, quando não nos vemos. E não nos ouvimos e preferimos calar.


sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Truth Hurts. Lies kill.



Tanto para escrever. Tanto para guardar fechado num canto bem poeirento do sótão escuro e entulhado de caixas com cadernos de textos e letras e memórias e pedaços de mim. Quero dizer tudo e não quero dizer nada, medo de acabar morto a meio das escadas para o meu lugar no mundo.

A minha autobiografia chama-se Desilusão. Ou Perda. Ou talvez Raiva. Estou indeciso. Será que interessa? Deus não existe. Ou se existe, é sádico, ou pensa que tiro felicidade da dor. Toma, Filho, toma mais. Nada temas, pois Estou contigo. Já pensei em ir rezar a pântanos e arrancar a cruz fervida que carrego ao peito. Afinal, quem me guia? Um cego, com péssimo sentido de orientação? Um cão, que me leva a mijar em postes e a cagar ao mato, convencendo-me de que é este o meu lugar? Será pedir muito que alguém abrace os seus sonhos como filhos frágeis? E que se afastem dos meus? Também é pedir demais?

Não quero mais notas da tua boca, se o que pensas de quem as escreveu para ti é algo que te magoa silenciosamente , que arde por dentro como as tuas feridas que não existem. Auto-mutilas-te. Se te mentiram e tu acreditaste, então não vale mais a pena que vivas com ódio de quem te quer bem. Vai, então, é melhor assim, para todos menos para ti. Segue com os mentirosos, e com aqueles que não acreditam que és capaz de te superar em todos os sentidos. Ninguém é doente para sempre. Ou se morre doente, ou se luta para não o ser. Tu escolheste. Estou em paz comigo próprio, e contigo. De ti, só tenho pena. E acredita que isso me magoa mais do que o ódio que sentes. Porque te adoro, e te via como uma lutadora.

Depois vens tu, que nem tento compreender, com medo que essa porcaria se pegue. Não vale a pena sentar nem conversar, há muito que só dizes merda, e eu perdi a necessidade de te ouvir , de te perceber e de te ajudar. E acredita que é um alívio. Há muitos anos , numa outra vida, fez sentido. Agora que rasgaste páginas e páginas da minha vida, queimaste-me a linha das mãos e roubaste-me os anos que achei que tinham servido para algo. De ti, já não consigo ter pena. Nem me esforço. Só espero que demorem muitos anos a cometeres outro crime como este. Facada desgraçada no coração de quem, mais que toda a gente, esteve sempre lá para ti. Boa sorte, e se não for pedir muito, mantém-te longe de mim. Se depender de mim, não falaremos de novo, nem serão as minhas mãos (lavadas) a empurrar o teu caixão para o mar. "Sozinhos acabamos todos, ou achas que se fazem caixões para duas pessoas?" Parabéns. Vemo-nos nos teus remorsos.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Casa de Vidro (s)


Um dia deixar-me-ás de ouvir, no seu lugar e tempo devido. Um dia as gargalhadas deixarão de existir entre nós e as lágrimas serão a única maneira de nos declararmos vítimas. Seremos obrigados pela falta de memória e de dias a conhecermo-nos de novo, estreados com emoções velhas próprias da velhice que nos custa tanto a engolir. Um dia, dois dias vamos ter cordas ao pescoço e Xanax perto das molduras. Quando nos apercebermos que o tudo se resume ao nada e que a maior dor, essa é não lembrar - ao contrário do que pensamos, ser não esquecer. Diremos É a vida, é a vida e enquanto dizemos isto um ao outro pensaremos noutras tantas coisas. Que podíamos ter-nos tocado mais vezes, podíamos ter tentado fazer o que gostávamos que fizessem por nós. Sei ainda que a dor um dia, um milénio, vai ser muita, pesada e insuportável. Uma casa sem risos nem vontades. Ou fantasmas bailarinos que nos animem os dias recônditos do nosso abrigo cheio de sol e de noite.


Tinha que te contar isto porque também a mim me disseram que um dia, um dia nós não vamos poder estar lá quando precisarem de nós; quando nos disserem Eu preciso de ti , não vão sempre ouvir Presente, Limpo-te as lágrimas, dou-te o suor - Eu é que preciso desesperadamente, preciso que precises de mim. O que ouvimos ou não é o espelho da nossa fé e nós deixamos inevitavelmente de ouvir, porque ainda não aprendemos a ser de outra forma. Um dia longínquo vamos ser sombras cegas, surdas e mudas. O silêncio é de ouro - beija-me.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Reencontro


O meu irmão esquece-se muitas vezes de respirar, sem mal nenhum no espírito reencarnado. Por outras palavras, é uma janela de Agosto com má vontade de ser fechada. Vejo-o muitas vezes nas joaninhas e nos carrinhos fechados a sete meses na arca sábia das minhas dores. Ensina-me todos os dias que tenho emoções de humana e pés de gigante, o corpo pequenino, a quietude de menina velha e todo um mundo brilhante de cores opacas e enevoadas. Ele sabe que laços são feitos com seda e sede de afectos e que a paciência é efémera como a morte, como a terra, como as cinzas e tudo o que o fogo abalroa. Barco desprendido da âncora que sou eu- viagem bonita de que não fui companhia nem tenho postais. Velas simbólicas e traços que me envolvem como linhas como amarras que ele impõe na alegria de viver.

Às vezes quase me esqueço de respirar por saber que o meu amor visionário está na falta que ele me faz. Ontem conheci uma menina que era eu e mais alguns sonhos que se perderam no caminho. Qualquer dia volto às ruas de ontem para os roubar. E roubo juntamente uma botija de ar, para que a asma nunca me apanhe sem ele por perto. Somos irmãos de carne, mas mais de espírito e lábios.

sábado, 5 de julho de 2008

Auto - Mutila(Regenera)ção


Sei de cor todas as facas do Passado, que um dia muito longínquo me abriram a pele e se recusaram a estancar o sangue, que corria com lágrimas e suor, para se fundir á terra dos meus jardins e os murchar. Sei que algumas dessas facas fui eu que espetei, achando que eram ervas curativas que iriam fechar feridas interiores. Só as tornei superficiais. Agora, as cicatrizes recusam-se a doer, e eu tenho medo, muito medo, de estar a espetar outra faca pensando mais uma vez que são curativos, remédio santo e de longa duração.

Pedi muitas vezes desculpa. Talvez nunca as suficientes. E nunca estava arrependido. Ou estava, mas hoje não estou. Ou não estava, e hoje estou. Amo a vida na sua falsidade e odeio-a quando me diz as verdades. Procuro a verdade que quero ouvir, e a vida que não me mente, ou quando mente diz coisas horríveis que no final não são nada, só uma brincadeira estúpida de qualquer entidade superior que tirou o dia para gozar com a minha cara de anjo espancado.

E agora, que chego a casa e tenho um quadro enorme com uma cicatriz minha lá desenhada, estaco. E pergunto-me se a quero curar, pergunto-me se quero observar o quadro e rever-me a pintá-lo, artista louco que se banhou em sangue e se limpou a uma tela, cuspindo mágoas, palavrões, músicas e desilusões pelos cantos da boca. Amo tanto esta pintura que já não me lembro de a ter feito. E é isto a minha verdade. Mortes angustiantes que idolatro, e que se resumem a nada mais que um desejo lascivo de viver. Músicas que escrevi apenas porque ninguém as cantava, e são as minhas favoritas. Páginas que li e quero esquecer, só para as escrever de novo.

Amo a cicatriz e detesto a ferida. Quero pintar por cima, e substituí-la por uma nova. Porque acredito que nem tudo terá que doer, e mais cedo ou mais tarde não me vou poder enganar quanto ao meu caminho, porque já percorri todos os outros. E é isto. Recomeçar. Dar outra oportunidade. Perdoar. (Olha que vais fazer merda…) Seguir em frente. Estrada. Ressurreição. Gaveta, abro-a. Lá dentro, uma faca e um remédio. Já não os sei distinguir. Medo. Muito medo. Mas mais que medo, determinação. Mais uma, menos uma…
Pim-po-ne-ta…

quinta-feira, 3 de julho de 2008

D'amour


- A mais bela história de amor não se conta, menina.

- Porquê?

- Porque tem pele e veias sardentas da vontade de ser mais e melhor e amar e ser amada e mais qualquer coisa que me esqueci, entretanto.

- Porquê?

- Porque guarda desgostos na coluna vertebral e lágrimas no joelho direito e vai aprendendo o que é a vida, quando ela não é a sonhada. Guarda no fundo das pupilas a certeza do que viveu ter sido vero e de ter estado viva, uma vez na vida. Escreve cartas de três páginas só com uma palavra multiplicada para as rasgar de seguida, ao vento e à sorte. Quando os anjos aparecem, conta as horas para os abandonar - porque mais tarde ou mais cedo é assim, e quando se diz isto, parece-me a mim que se diz tudo.

- A mais bela história de amor vou eu escrevê-la, enquanto tiver memória e um bloco de notas afixado na porta dele. Todas as noites vou escrever que o odeio, que não me toca na alma nem nos cabelos, que tudo o que aconteceu foi um pesadelo que soube bem, jurar-lhe que hoje é que vai ser e eu vou sorrir sem o ter no céu da boca ou acordar de manhã e conseguir espreguiçar-me de ti. Vou-te insultar por vezes, para que vejas que não é das mãos para fora que o grito mas sim das mãos para dentro, tanta é a força de vontade de me convencer. Vou ser forte a cada noite que a tua campainha não toque, desculpar-te pela avaria da mesma e condenar-te à falta de luz e janelas, sussurrar o teu nome e rasgar todas as folhas onde ele me apareça. Prometer-lhe que não dói e que será melhor assim, acabarmos tudo por aqui e estilhaçarmo-nos um dentro do outro.

- E depois?

- Depois deito-me no tapete da entrada ou nas escadas, o que for mais frio e feio. Vou sonhar que ele me abre a porta e me deita ao seu lado, me fecha os olhos e que eu morro feliz.

domingo, 22 de junho de 2008

Wheel of Sun and Moon


Ah, coração…não sei te cuspa pela boca, ou se te arranque do peito. Para que não me mates com aquilo que mais amo. Para que não me cegues nem vendes. Nem vendas.

Sou Sol, tornei-me Sol por bênção. Ou por necessidade. Ilumino o melhor que posso o meu mundo, com todas as casas que construí, campos que cultivei e almas com que me cruzei. Sou dedicado e, ao fim do dia, nunca me esqueço de beijar o meu Oceano. Digo-lhe Boa Noite, rezo para que lá esteja no dia seguinte e desapareço no horizonte. Dizem que fico bonito quando me vou. E eu acredito.

Depois de mim chegas tu, porque te condenei a ser Lua. Para que quando chegasses eu já não estivesse, não te visse e não me pudesses ver. Para que iluminássemos sempre partes opostas do mundo e da vida. Para que tivesses milhões de estrelas lindas à tua volta e as cobiçasses, sonhando, sempre sonhando, esquecendo-te (e lembrando-te de vez em quando) que a mais próxima da tua terra sou eu. Ah, mas eu estarei longe. Bem longe.

Condeno-te a Lua, por séculos e séculos. E sabe bem. Porque no final conseguirei respirar sem pontadas no peito, e não te terei à janela sempre que abro os olhos de manhã. Também não precisarei de eliminar cheiros da minha pele para sentir o aroma da vida e não terei a palavra “Amo-te” cravada a pregos na traqueia. É assim que as coisas funcionam doravante. Porque nós vemos o mundo por diferentes luzes. E quando nos juntamos…há eclipse, e tudo se apaga.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Quis sibi verum dicere ausus est?


Uma pessoa cansa-se tanto do bom como do velho. Chora porque os músculos faciais não são de ferro mas versáteis e ri-se por mais que pareça que nunca mais vai conseguir rir. Desenha sardas nos bonequinhos das folhas brancas e , quando dá por ela, o pontilhismo tem vida própria e pára indeciso na boca dos meninos, se para cima ou para baixo é uma decisão que muda uma vida e atrai outras tantas, consoante a escolha tomada.
A pergunta é: e eu perguntei-te alguma coisa? Quando me entopes os olhos de emoções cansadas e leitos de amantes desfeitos sem sequer reconsiderares cinco minutos de descanso para a coitada ou coitado que tem de me conhecer à força e à bruta, pensas que te quero lamber as feridas e comer-te as ansiedades, para te jurar carinho eterno feito de seda, tão doce e macio que irrita até o menino Jesus? Magoas-me, onde dói mais ou se finge esquecido. Era bonito começar de novo, perseguir a própria cauda e não chegar a conclusão nenhuma. Olá, eu sou o João, Magnólia, prazer é nosso, uma carrada de filhos e de planos como nunca se viu em lado algum.

Um - dó - li -tá, um segredo colorido, quem está livre, livre está.


Islander


Conheço um homem perfeito que não é perfeito, mas vive de uma perfeição imaginária e, por isso, real. Mora num mundo perfeito que mais ninguém conhece, nem poderia, por mais que tentasse. Encheu um copo com água, salgou-a e diz que tem um oceano em casa, só dele, para o qual olha e pelo qual navega e divaga. Também tem um vaso com uma planta que nunca vi e algumas ervas daninhas - diz que é o Jardim do Éden. Só tem que o regar de vez em quando, para que não se torne o Gethsemane. A mulher da sua vida, essa, está sempre perto dele, é esposa fiel e dedicada - mora na parede ao lado da cama, desenhada a carvão, com traços perfeitos e sem lágrimas.


Este homem perfeito tem ainda um amigo perfeito. Sim, só um. Não precisa de mais, porque pode confiar-lhe todos os seus segredos, sem medo de represálias e com a certeza de que jamais serão ouvidos por terceiros. Não me lembro do nome desse amigo, mas acho que é qualquer coisa como Papel... Ele não fala muito, mas ouve tudo o que lhe queiram dizer, e tem muitas palavras bonitas tatuadas por toda a pele. Até dá medo de lhe tocar.


O homem de quem falo também não tem rádio, aparelhagem ou piano, porque não precisa e não quer precisar. As músicas que ouve e conhece são suas, e correm pela sua cabeça num loop constante e acolhedor. Algumas dessas músicas até trauteia. As mais fáceis, claro.


Outro dia ele fez anos. Ou séculos, não sei bem. Como é óbvio também não lhe conheço a idade. Nesse dia, ofereci-lhe um espelho. Ele olhou para o seu reflexo e ficou estupefacto, admirado ao ver que o mundo precisava dele. Decidiu então partir, agradecendo-me. Não quis fazer as malas. Abraçámo-nos e eu acenei até ele desaparecer no horizonte, os meus olhos turvos e o meu coração cheio. Agora cá estou - a navegar pelo copo de água, a regar o Éden e a tomar-lhe conta da esposa. O amigo dele, esse é a melhor companhia do mundo. Ainda assim, sei que lá no fundo só estou à espera do meu dia de anos, para que alguém me ofereça um espelho.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Não se esqueça: Respirar




Esquece tudo o que te disse até hoje, porque tu sabes e eu sei que nunca me irás conhecer, vice- versa a mesma coisa. Nem desta forma ou doutra, porque sabemos bem que as formas de Arte são sinónimos de vida e nós nunca concordamos, não temos sensibilidade nem audição para tanto. Também sabemos que não sabemos nada e igualmente não o queremos saber o que me leva a apetecer mudar tudo, começar do abaixo de zero, ou seja com os erros do passado e os joelhos enregelados, para ver até onde revoluciono sem deixar de ser eu. Existem dias que parecem noites e palavras que parecem saltimbancos que me pisam, que me pisam e me dizem, o teu lugar é mesmo aí, não te importes que eu também não.


Não me oiças sequer hoje, pois hoje a carta é para Deus. Não deve ser levada a sério, a não ser por ele, se ele não resolver fazer greve por haver falta de crentes, ele há-de ler e depois responder num seco Recebido, assinado Sr. Deus ou um qualquer empregado do seu ministério. É preciso que te diga para não me ouvires, que a ideia é o Non-Sense e hoje, hoje só, não marco falta de presença.


- Tu querias, tu querias... tu querias era favas e fígado cortado às rodelas.


Eu queria que tu te esquecesses dos teus monólogos e catitas dores de bolso para respirares. Ninguém se lembra: Respirar. Roubam-nos o tempo como o fazem com o sol, sempre o fizeram, de cada vez que vem o Verão o fazem. Roubam-nos a hora de todos os dias e devolvem-na gelada. Como se podem amar estações vizinhas se sabem, de antemão, que lhes vão roubar o tempo? Condenadas a serem sombras de velha solitária, que não têm dedos, que não têm línguas, que não têm sexo nem direito a bodas de prata. As flores perderam-se e os muros voltam à ideia primária de serem muralhas. Troca o passo, tudo acaba aqui.


- Veja lá se quer mesmo a cura, porque uma vez a neurastenia entrou e não chegou a sair. Veja lá, veja lá, que ainda há quartos vagos e a renda é do mais baixo que há. Uma vez por semana até a deixamos pôr a cabeça fora da janela e reze pelos pombos não se decidirem para baixo. Televizãozinha, arrastadeirinha e comida sem sal, mastigada, mas comida; Bem-vinda? Ai vida, que querida, mais uma cliente do sanatório mais limpo de Portugal. E não se esqueça: Respirar. Era assim que eles te diriam.


Cheiro o mofo dos livros como se fossem virgens islâmicas, tacteio os móveis sem querer descobrir as gavetas inábeis e é nas casas vazias que perco mais tempo. De vez em quando, apetece-me morrer e outras tantas, matar o último romântico ao cimo da terra. Mais palavras de amor e cheiro a papoilas, Não por favor, é demais, Mate-se que já deve minutos à humanidade, se o outro não quer, queria, É esse o lema de qualquer romântico, o pretérito imperfeito como a tempo do dia. Não há paciência (quisesse).


- Respirar.

domingo, 8 de junho de 2008

O Jogo (Já te foste)


Tenho uma caixa. Craniana. Está cheia de tudo, mais alguma coisa e ainda de um ou outro pensamento que tem o seu (variável) quê de relevância. Viro-me para todos os lados e escolho o centro - Silêncio. Dêem-me silêncio. Um minuto de silêncio. Finjam por momentos que morri, e depois que volte tudo e estarei mais preparado. Agora só quero pensar e criar a força para caminhar sem medos. Carne forte em espírito que fraqueja.


Caixa, cheia. Os concertos de verão, os projectos com sede de vingança, a sonata a saber de trás para a frente, os "agoras" e os "nãos", os papéis cruéis que exigem que mostre o que sei e o que não sei, os anos pela frente que fogem a uma velocidade inacreditável, invivível, um Eu que se calhar até sou eu e que não se sente nele quando a lua se esconde e mostra que lá foi mais um dia em que nada disto se passou. Se há mais , anoto já na agenda - perdido por cem , perdido por mil e dois.


Um corpo com tanto para encorpar - poetas, doutores, amantes, escritores, músicos , coleccionadores, loucos, crianças, adultos, monstros e etc. Não sei do tempo em que eu não tinha de escolher vidas. Escureçam-me as cinzas e sei que me desfaço, há muito que ardo por dentro e não sinto a neve virgem na paisagem branca. Corro por ela e lanço pétalas de rosa em todas as direcções. Saibam que passei. Posso não voltar, mas estive lá.


Pus as cartas na mesa, alguém soprou e elas voaram em todas as direcções. Olhei a face de quem o fez e não vi senão fuga e apatia na sua expressão, que gostava de entender. E lá vou eu apanhá-las uma por uma, para a medo e discretamente as voltar a pôr onde estavam e como estavam na mesa. Mas o processo repete-se. Não sei se é vício ou esperança. Perdoai-me, Senhor, que não sei o que faço. Vou morrer, sim(mas não será de aborrecimento).

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Tous les jours aient un fin


Nada mais importa. Eu estou morta, mas sou real ou fui - perco-me no tempo, mas nunca no espaço. Haja alegria! e nada mais importa na vida de nós juntos ou separados. Ou na nossa vida, que é minha e não te pertence, porque hoje, hoje não me apetece dar explicações nem dar-te a minha vida para o monte de Vénus das tuas mãos. Não me apetece ser gente nem bicho, nem pensar ou desdizer, ou calcular e aprender, ou dizer que não há mais alternativas que todas as que já escolhi. Não me apetece falar, mostrar que sou boa pessoa e que de confiança é o meu apelido do meio, o escondido, mas o da mãe. Não me apetece ser criança, que o mundo todo à nossa frente não nos deixa com um número de senha muito favorável. Nem velha, velha não quero, desaprendemos tanto na vida e depois é menos um, menos um quando nos perguntam como é que correu o dia.

Apetece-me ter cordas para me desamarrar, que isto há coisas que precisam sempre de outras para acontecerem. Vá-se lá entender e sentir. É difícil para mim escrever sem raciocinar, está visto. Não tenho pele, mas sou real ou já fui, nunca sei. Estou um tanto ou quanto com falta. E em falta também. Fin, que língua que sabe beijar bem também me serve para final. Gugu - dádá.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Carta de um louco


Querido(a) Júlio(a),

Precisava de uns dias fora de mim próprio, o colete está muito apertado. Não podes mandar alguém para aliviar este sufoco, só um bocadinho? Prometo que não fujo. Até porque se está bem na minha cela, fora ser um bocado fria e cheirar a mofo. Hoje esteve sol, e passei o dia sentado debaixo da janela, onde os raios batem com mais intensidade. Soube bem.


Agradecia também se tivesses por aí alguns soporíferos, daqueles que duram uns anos. São os zumbidos, aqueles zumbidos horríveis, mantém-me horas acordado. E a aranha do tecto teceu-me na almofada a frase “Não consigo dormir” a letras vermelhas. Ficou um bonito bordado, mas não está a ajudar nada e não quero que ela se sinta mal. Ontem pensei em matá-la. Sabes, se não gostasse tanto de a ouvir, já o tinha feito.


A goteira continua no centro da cela e recomenda-se. Há dias em que faz música linda – há bocado escrevi uma canção a ouvi-la e a acompanhar com a voz. Não canto bem, mas o que conta são as palavras. Mando-te a letra em anexo. Depois diz se gostas.


Outra coisa – nunca mais vi aquela mulher linda que vinha cá visitar-me de vez em quando. Ela contava histórias tão engraçadas, eu passava horas a ouvi-la e mais horas a pensar nas coisas que ela dizia e na forma como mexia os lábios e as mãos. Outro dia, enviei-lhe uma carta a pedi-la em casamento, e ela respondeu que se fosse louca, aceitaria. Podes dizer-me como enlouquecer uma pessoa? Eu sei que o segredo é a alma do negócio, mas podias abrir uma excepção de vez em quando. Tens que vir cá conhecê-la um dia em que ela apareça, tenho a certeza que me compreenderias. Mas não ma roubes. Ela é bonita demais para mim, mas tu nunca a entenderias como eu. E além disso, também não és o auge da beleza.

Enfim, aguardo resposta. Mas não demores como das outras vezes. Senão, já sabes como eu sou: começo a dar em doido.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Self - Portrait


Há coisas que, mais do que não entender, não fui definitivamente feita para entender. Porque é que as balanças são o objecto mais absurdo que existe se nunca há equilíbrio em nenhuma parte do mundo. Estendes-me as mãos. Apago o cigarro. Tenho veias e escrevo.
Existem dois tipos de pessoas, agrupadas segundo os elogios concretizados em horas de chuva e pedra e terra ou fogo para cima dos corpos. Existem dois tipos de cadáveres e não há outra maneira de dizer isto a não ser dizê-lo. Temos os mortos anorécticos e os bulímicos que morrem.
Existe uma constante ligação entre a comida e as palavras. Eu como palavras, tu comes palavras, ele não sei o que faz, mas de certeza que come palavras. Fora os anorécticos, comemos todos palavras. Não é uma ligação estreita, mas uma daquelas relações que dois estranhos têm ao tocarem-se todos os dias no mesmo caminho para o mesmo trabalho, sempre os mesmos, sem se falarem. Não deixa de ser uma relação.

Então nós ouvimos : Fulano deixou-nos hoje, com falta de palavras no estômago porque tinha a visão turva e achava que falava demais, deixando de falar tanto para que gostassem mais dele. Calou-se num dia, depois à noite também e, quando deu por ele, a língua já se enrolava de cada vez que se queria fazer à vida. Nunca procurou ajuda nem sabia linguagem gestual. Preferia morrer a dizer o que sentia. Morreu e deixa saudades.

Então nós ouvimos : Sincrano deixou-nos hoje, com imensas palavras que deitou ao mundo em horas erradas e silêncios indiscretos, porque não aguentou e encheu o que queria e não queria com letras que não as da sopa dentro de si , até vomitá-las quando calhou e sentir-se aliviado. Tornou-se um vício, uma doença e uma qualquer noção de bem - estar doentio. Preferia morrer a calar-se ou a falar quando lhe pediam, porque a sua noção de liberdade tinha a ver com as palavras e não com o pão ou com o voto. Morreu, deixa saudades em alguns.

Então eu penso, finalmente: que me faltam palavras constantemente para me exprimir perfeitamente e muitas vezes o que escrevo mal e porcamente me torna uma cadáver sem definição pré- definida. Efectivamente. Mas depois acontece que não páro de pensar e encontro soluções num frigorífico perto de mim, como o anúncio daquele filme em que se conta os dias até à sua estreia. Subitamente, sei porque como demais. É naquela relação de estranhos que está toda a minha noção de inspiração deficiente. Mal por mal, escrevo até conseguir encaixe.

(Imagem : Vincent van Gogh, Esqueleto fumando um cigarro, 1886)

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Apatia


Nada a declarar. Tudo a esconder. Caem cometas e todos se abrigam – sobro eu para os observar, sem medo nem fascínio. Ando pelas ruas e os estrondos ensurdecem os ouvidos mais sensíveis. Não os meus.

Quem me viu e quem te vê. Chovem cartas mas não me apetece ler, nem para tirar uma ideia para este texto nem para perceber o que se passa com a vida. Há coisas que não me apetece saber. Tipo todas. Deixa andar. Deixa viver, deixa sofrer, deixa rir e chorar. Não me macem. Ou macem, se quiserem. Ou marquem. Ou matem.

Chove dinheiro. Caem notas e todos saem à rua – sobro eu como o falido, sem perspectivas nem ambição. Ando pelas ruas e os gritos são avassaladores para as mentes mais despertas. Não a minha.

Quem te viu e quem me vê. Onde é que já vi isto? Cantam-se baladas românticas e eu que não as oiça, porque sabe-se lá em que bocas já andaram. Há coisas que nunca cantarei. Tipo todas. Deixa estar. Estou bem assim. Vai morrer longe. Ou vem viver perto. Tanto se me dá como se me deu. Já dei tanto que dei demais, e acho que não dá. Também não preciso que me dêem nada, nem que me dêem a ninguém. Dêem-me só um tempo, e talvez me junte ao senhor do acordeão que vagueia pelos metros do mundo, a agarrar o copo para que deitem as esmolas do fundo poeirento da carteira rompida. E ao leitor, peço desculpa. Porque um texto sobre seca é uma seca de texto. Mas que não se preocupe ninguém, pois aceitei o desafio de escrever sobre apatia, e enquanto o meu tema for este, vou eu morrer longe.

Um abraço muito forte, e até breve, esperemos. Mas também não me interessa muito.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Tocar-te os olhos


Lembro-me que tinha tudo tão bem planeado : casava-me com ele, ficava rica e depois matava-me. Parecia a vida perfeita, ou melhor, planos por planeados, dizia eu que era o melhor que se podia arranjar. Vida perfeita, dizia eu.

Casava-me com ele porque nunca me quis casar. Mas sem saber se amei antes ou depois dele, após o seu quarto pedido de casamento atrapalhado no meio de muito álcool e juventude, lembro-me que desde que eu fui eu aqui, pela primeira vez, eu hesitei. Bebi tudo de um gole e respondi "Só se for já". E ele contratou o barman como padre e as estrelas como testemunhas. Diz que pagou-lhes a palavra, juramento safírico e para toda a vida. Depois, nos outros pedidos todos, aprendi a rir-me como se deve rir quando um bêbado se nos declara a meio do caminho. Para dentro.

Ficava rica porque nós tínhamos sonhos, ou como amava acariciar, éramos sonhos com muitos aplausos para saborear. Não se tira a razão aos loucos, entendam-me, eu até era o que ele quisesse e ele era o meu sonho, desde que a realidade não me doesse. Nós éramos sonhos, éramos o novo Colombo e o Gama (Mas as terras já cá estão! - E as Luas? E os lobos?). Ele ria-se e dizia-me que chorava. Nunca, nunca o vi chorar, sem ser daquela vez em que o mundo era a preto e branco e nós ficámos inevitavelmente pedra. E também da outra em que lhe apeteceu, porque era feriado e então podemos fazer tudo menos comer carne.

Depois, se bem me lembro, morria no auge da felicidade para morrer feliz. Queria que ele continuasse mais rico e feliz, comigo perfeita no tecido do meu vestido branco e para sempre, com a mancha vermelha dos lábios dele no meu batom.

Hoje, porque é muito tarde ou talvez porque mais cedo ou mais tarde sabem-se estas coisas, sei que me casei com ele, até que a morte nos separe. E tive a maior riqueza do mundo em poder tocar os olhos dele.
Mas hoje é hoje e a verdade sobe. Adeus ao brilho e ao arrepio espinal. Porque já nem chorar te sei, porque o que não sei é sentir.

sábado, 17 de maio de 2008

My Gift


Como e bebo, mas não é disso me alimento. Fumo e respiro, mas não é isso que me droga. E há um vaivém de palavras lindas e vozes harmoniosas que me dão e sempre darão sentido a tudo. Adorava poder agradecer com mais de um sorriso, mas ainda estou na fase de tentar chegar a esse sorriso. Esperem , falta só mais um bocadinho. Porque todos me arrombaram a vida e não há ninguém que me assalte o coração e leve tudo, não deixando ficar nada pelo que chorar. E fascinam-me os diálogos perdidos pelo ar, as palavras que uns ouvem e outros não, o luto misturado com a alegria de viver, os beijos às escondidas (num quarto às escuras ou numa mente poeirenta), os bens materiais, a comida deliciosa, as águas do sonho e as cadeiras do pensamento. Tudo isto debaixo de duas ou três estrelas, porque nós roubámos as outras e temo-las no bolso para distribuir por aqueles que nos amam, mesmo sabendo que isso não chega. E adoro-vos, amo-vos a todos, preciso de vocês como o piano precisa de dedos que o tornem belo, agradeço cada dia que passa e odeio não poder chegar com uma bandeja de sonhos com duas velas em cima para cada um, sem pedir nada em troca. Já não consigo dar o coração pela boca, fico-me pelas letras.
Cubram-me de serpentinas e não se preocupem que sorrirei.
Construam-me a vida e não me perguntem se prefiro uma recta ou uma encruzilhada. Eu seguir-vos-ia até ao fim do mundo.


“Comforting home, Mother’s lap, chance for immortality
Where being wanted became a thrill I never knew
The sweet piano writing down my life.

Teach me passion, for I fear it’s gone
Show me love, hold the lorn
So much more I wanted to give to the ones who love me
I’m sorry.
(…)And you… I wish I didn’t feel for you anymore.”


Tuomas Holopainen, in Dead Boy’s Poem

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Pontilhismo

Ele mexe-lhe nos cabelos e sorri.

- Minha louca, como é que é possível? ...como- é- que- é- possível, diz-me.
- O quê?
- Como é possível saberes as coisas todas e de repente, desaprenderes-las?

Ela retribui o sorriso na primeira frase e depois desabafa amarga para um ponto abstracto do canto da sala.

- Tu não és justo... nunca cá estiveste. Nunca quando eu gritei só pelo teu nome, porque era o único que sabia de cor, e só haviam desculpas por todo o lado. Primeiro desculpas com desculpas e depois a palavra no singular, sem mais nada, ponto final. Desculpa no tablier do carro, desculpa no livro oferecido há dois anos, desculpa no Tu não percebes que eu só quero arranjar desculpa. Nunca cá estiveste quando eu dizia a toda a gente, Vocês não o conhecem, ele é bonzinho, ri-se quando eu falo de estrelas e nunca me faz perguntas desnecessárias, se eu estou bem, se como tudo, há quantas noites não durmo ou porque é que não paro de tremer. Ele não tem medos, disse-lhes eu, até me aperceber que eu era o único deles. Até eu começar a perceber o que dizia. Tu és tão injusto que nem te dás conta do quão alguma vez o foste.

Entretanto ele fica sério e permanece a olhar para ela. Depois olha pela janela e pergunta:

- Continuo sem perceber como é possível.
- Nem eu. Como é que é possível um sentimento ser para toda a vida e nunca mais acontecer? Morrer assim, aos pedaços e nunca mais aparecer, nem sequer em sonhos? Esquecer-me de mim e depois encontrar-me, mas para isso, ter de me esquecer de mim?
- Porque é que me dizes isso tudo agora?
- Porque tenho medo.
- Já não te lembras como é, pois não?
...
- Odeio-te. Boa noite.
(Imagem do Filme Uma canção de Amor)

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Receita


Mexa a vida numa taça pequena , depois de lhe adicionar um pouco de tensão e açúcar, para acentuar o sabor. É difícil ser inteligente tendo tanta coisa no pensamento, por isso ponha uma chávena à parte para devaneios , e guarde-os para mais tarde.

Entretanto , anote num bloco o que pensa do dia presente e retire uma pauta do bolso para escrever a sua sinfonia, só para o caso de ensurdecer um dia. Junte tudo e deixe arrefecer á temperatura do Tempo. Enquanto isso, saia à rua. Procure um desejo carnal e um beijo perdido, leve para casa e plante o amor à luz da lua. Aguarde duas ou três etrernidades, até florescer.


Entretanto, ponha a mesa para uma pessoa - copo de cristal azul, pratos de porcelana gravados de poemas antigos e talheres de prata brilhante, tudo numa toalha de seda branca. Debaixo dela, ponha o crucifixo. Enquanto espera que fique pronto, escreva um romance, um poema, uma crónica, uma peça de teatro ou uma carta para alguém que já não veja há muito. Depois volte à mistura que deixou e adicione as lágrimas. Junte passos para o abismo a seu gosto. Deixe cozer o tempo que for preciso.


Quando pronto, meta numa travessa comprida, entre 80 a 100 anos, e espalhe bem.
Sirva frio, como se fosse vingança.

Bom apetite.

domingo, 11 de maio de 2008

O Escafandro e a Papa desejada


Esta é pela avó que amas. Esta pelo teu pai, que bate e bate e não causa dor. Esta, pela mamã do colo e da tabuada. Esta é por mim.

O coração tem muitas funções. Pulsa como um pulso, ouve como um ouvido, cheira e soluça e dá um belo animal de estimação. Precisa de colo e lava-se a 360º de preferência, para que a coisa não mude muito. Cala-se quando se sente calado, fala e fala muito, quando não se consegue calar. Ás vezes admira pedras como quem admira as cópias das telas do Gauguin ou do Soutine e sente sangue, carcaças de sangue à sua volta que precisam desesperadamente dele e que o fazem sentir que é amor que deveras sente. Adora ver comédias românticas e filmes de terror, daqueles cardíacos com boa companhia. Ri-se quando está nervoso e até chora, se lhe pedires com muita força. Quando à dor, sente-a perto da morte e quando o partem, com o intuito de dar para muitas colheradas, à boca de quem mais ama e que não o ama, nem hoje, nem ontem, nem quem sabe nunca amanhã.

Pensei que te fizesse falta um destes, que eu sei que tens fome. Por mais que não digas, tu queres tão mais que não sabes fazer-te bem, esqueceste do que é seres novo e ainda te gozas, com a dificuldade de mastigar a verdade. Esta é por mim, vá lá que é a última. Fica o resto no frigorífico, para quando te apetecer.
(Imagem do filme O Escafandro e a Borboleta)

sábado, 10 de maio de 2008

Arcada


Era cedo. Ele vagueava pelas ruas perto de casa. Muito perto de casa. Sim, que a comida da Mãe é boa e cá fora todos nos envenenam. Ah, e ele só costumava pisar víboras.
Quando deambulamos muito pelo mesmo sítio, conhecemos-lhe os cantos e as arcadas, mas foi com um novo sítio que ele se deparou. Era um café que nunca tinha visto antes, com esplanada e vidraças. Curioso, entrou. Lá dentro, o cheiro a novidade invadiu-lhe as narinas, e os sorrisos de boas vindas encheram-lhe os olhos. Agradável. A senhora do balcão parecia investigá-lo como quem está à espera de determinado pedido ou atitude, predefinido, normal e tão fácil de satisfazer quanto possível. Ele avançou e pediu um café, ao que a senhora sorriu, apressando-se a mexer na máquina.

- Normal?
- Sim, se faz favor. Haja algo.
- Ora aqui tem. - (Sorriso.)
-Obrigado.
- Tem os olhos bonitos.
- E o coração aos pedaços. Quanto é?
- Deixe lá isso. É o nosso primeiro cliente. Dia de abertura, oferta da casa.

Foi sorvendo o café ao balcão. Quente, escuro, forte. Havia esplanada, mas ali estava-se menos-mal. Dia de abertura. Já tinha tido tantos dias de abertura na sua vida, e acabou sempre por fechar as portas pouco tempo depois, mesmo com ofertas da casa. Teve vontade de dizer à senhora que não ia resultar, que ele sabia, que com ele pelo menos o dia de abertura era um lançamento de foguetes antes da festa que nunca viria. Mas não, para quê, se esta senhora ia ter sorte? Estava escrito nos olhos dela, estava um forte trago a sucesso no café. E talvez ele também o tivesse, ou viesse a ter, por estar ali, por ser o primeiro. Talvez o derradeiro dia de abertura fosse hoje. E porque não? Ou porque sim? Terminou. Pousou a chávena.

- Obrigado. E parabéns pela abertura.
- Obrigada eu. Volte sempre.
- Hei de voltar, sim. Um bom dia.
- Se voltar hoje, ainda lhe ofereço outro.

De graça, até injecções na testa; já diz o povo.
Eu às vezes pagaria por uma.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Unhas de Papel


Achei estranho que não me perguntasse pelos jeans russos e apertados nos bolsos ou pelo tom abaixo ou acima do vermelho da minha blusa. É que, vejamos bem, eu não tenho cabelos lisos nem encaracolados, não tenho olhos castanhos nem verdes, não tenho muita nem pouca idade. Não tenho sede nem fome nos braços. E paciência e bilhete de identidade, não tenho.

Ele não me perguntou como eu era como se as coisas fossem somente o que tivessem de ser e nós fôssemos pó, pó que não quer deixar de pousar, por muito enquanto. Já gosto dele, por isto e não posso gostar, por coisa alguma. Incoerências do faz-de-conta da menina que cresceu.


- Olá ... tens lume?

- (procura nos bolsos e mala) Não, não encontro. Devo ter perdido. Desculpa.

- Emprestas-me o cigarro?

- (A beata do cigarro vai com o vento. Riso nervoso). Desculpa .... .... e agora?

- (Suspira ou inspira, liberdade do actor. Senta-se). Agora conhecemo-nos, conversamos e eu confesso-te no final da tarde que não fumo, que Pedi este cigarro porque te queria ver brilhar mais de perto. Que a tua insegurança é o mais bonito que tens no teu corpo e seres a menina do canto da sala, também. Que se conseguires abrir portas sem te pintares e gritares ilusionista a quem passe se quer casar com a carochinha, não há problemas de maior senão.

- Desculpa... olá, João. Filipa, muito prazer.


Não tenho rosas na mão nem anéis nos dedos. Não tenho pulseiras no tornozelo, tatuagens no pescoço, perfume fresco e frutado. Sou só (e) eu. (...) E ele acaba de chegar. Parece-me que conheço esta voz desde sempre. Não sei como ele é, mas é ele. Prilim-pim-pim. E acaba de me tocar no ombro esquerdo.


(Imagem do filme Le Fabuleux Destin d'Amélie)

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Je vais te dire un secret


Às vezes gostava de te dizer que a minha vontade é beijar-te sem pensar em nada. Às vezes queria que o Amanhã não fosse real, para não ter de pensar no que viria após esse beijo. Talvez um dia não haja mesmo Amanhã, e eu possa libertar as palavras da boca cosida, e o sabor a nada da língua. E agora que penso, ironia das ironias, quem sabe se há mesmo um Amanhã, e se não ando a semear sonhos por terras inóspitas e inférteis.

Não precisas de me gritar que és real e que estás aqui. Sinto-o na pele a cada dia que passa - a rotina chicoteia-me, e as chagas urram por novas dores. Podíamos mudar a realidade num só gesto sentido, e talvez o novo mundo te agradasse. Ou talvez vivesses uma mentira. Pouco importa. Sou cobarde e estou submisso ao que tenho (ou que resta). Quero mudar tudo, mas não quero que nada mude.

Sei quem és, não te preocupes. Ou aliás, sei demasiado sobre ti, e sobre mim. E esqueço-me que há muita coisa que não sei, e que não queres saber. Rendo-me a isto - textos repletos de palavras que chegam para substituir lágrimas que não mudam nada. Melhor assim. Que se escreva o que não se consegue dizer. Que se trauteie o que não se consegue tocar no piano. Que se esqueça o que não se pode ter. Ainda assim, terminada cada peça, pertences-me. E nos sonhos mais idiotas, serás sempre minha.

Enlacemos as mãos. Não. Desenlacemos as mãos. Momento Ricardo Reis. Chato, irónico e cómico ao mesmo tempo. A alma entretida com a novela mais nonsense do Universo. Tristeza. Desperdício.
Arranja alguém e mata-me de uma vez.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Acidentes, Muitos



Ah, eu devia ter gritado.


Se fechamos o cadeado e engolimos a chave, não podemos esperar que nos encontrem. Não podemos esperar muito tempo até morrermos de fome de beijos, suor e lençol desfeito, disto e daquilo. Não podemos, é inevitável, como daquela vez em que te vi dois dias seguidos em lugares diferentes e não te agarrei e agora tudo isso me parece o desperdício da minha epifania amorosa, as minhas conversas com o Sr. Deus no tal canal sem audiências, este todo empertigado comigo que ele não é senhor, Sr. Arquitecto, atenção, e não tem culpa nenhuma que nós sejamos perfeitos engenheiros do mundo - que fazemos borrada atrás de borrada, que só nos apercebemos tarde demais. Que adiamos o prazo e entregamos tanta vez a coisa ao Deus dará. Por um qualquer motivo, o Sr. Deus parece-me esgaziado de hélio e serpentinas. E diz-me 'eu bem te avisei, eu bem te avisei...' . Não gosto de arquitectos; só quero amor e uma cabana. Ai, no meu tempo...




Olha, se queres que te diga tudo isto deve ter algum sentido. Jura. Não sejas sarcástico se ainda não me calei. Impossível andarmos para aqui às voltas e rotundas e não estacionarmos pelo menos para um acidentezinho que alegre o telejornal das oito. Eu queria ver o que era das velhotas sem os carros empilhados na estrada e elas empilhadas debaixo do edredon e no cachecol de tricot de cinco metros que decidiram oferecer ao neto gigante. Eu queria ver, o que era delas sem isso e sem a Alexandra Lencastre. Retomando, se isto tem algum sentido- e tu dizes que sim e eu anuo, porque sou boa nisso - é dar graças ao ar por não terem sido as mãos as lesadas e levadas de urgência para o quarto com dois números, com uma dezena e o segundo martelado e caído para baixo, ficando as pessoas sempre em tamanha dúvida se é aqui que estou e nunca aparecerem à hora de visita. Acho que o senhor do 19 dá biscoitinhos e não lhes pergunta pela vida. É, deve ser delicioso.




Agora empulgo sempre na mesma carruagem; penso que não queiras saber, mas eu digo que não é a mesma. Há acidentes esporádicos que nos mudam a vida. É o coração quem dorme e por quem se reza que volte do jardim comatório. De resto, não te quero ver. Mas pensa em mim, quando puderes, sim?




Ah, eu deveria ter gritado com todos os pulmões que me restam. Pelo menos, não vinha o coração sozinho.


(Imagem do filme Prozac Nation)

No Key


Aos portões do coração, correntes e cadeado. Só isso. Nada mais. Teias de aranha em cada veia. Alimento-me de moscas e nada de melhor me abraça ou cai no meu abraço/armadilha. Quem destruiu a esperança?


Aos portões do coração, ferro e fogo. O Antigamente de algo em que já não me vejo. A ideia de sorte reduzida a um azar do caraças. E consigo rir de tudo isto, rebentando as teias por um momento e abrindo-me de novo ao mundo. Aproveita para entrar. Mas não feches os portões. Daqui a nada estás a pedir para sair.


Há inválidos que apesar de tudo se movem. Há pessoas com tudo no sítio (talvez até demais) e não se mexem. Eu sou o intermédio - inválido em muita coisa, mas de vez em quando lá me mexo...devagar e quando não devo. E quando me quedo devia ter-me mexido, devia fazer-me à vida, abrir os portões. Mas para quê? Está tudo negro e podre lá fora, e tu não vens. De decrépito já basto eu. Não meto mais detritos cá dentro, nem junto os meus aos de fora. Deixa estar as teias. Não toques no cadeado. Não te rias.


Aos portões do coração, correntes e cadeado. Porque a chave desapareceu há muito. E há coisas que não interessam a ninguém.
Que assim seja.